Livro 50 de Julio Urrutiaga Almada
Percursos poéticos de Julio Urrutiaga Almada: a poesia como arte da vida
Lívia Petry Jahn
Julio Almada inicia sua jornada poética brindando o leitor com a mais alta arte da escrita de poesia. Já na primeira página de seu livro encontramos a “estrela candente de hora incomum”, que transforma a vida, pois esta “alma da tua mão” / “onde a morte do: tempo, solidão”/” mata a morte de cada um”, faz o leitor viajar entre o fio que escorre da vida e o Rio Letes, que leva os mortos.
Do mesmo modo que o poeta surpreende o leitor com imagens oníricas e originais, ele também recria a partir da tradição oral das cantigas de roda ( o anel que tu me deste era vidro e se quebrou/ o amor que tu me tinhas era pouco e se acabou), na poesia Notícia, belamente inspirada nesta cantiga acima citada e dialogando com os poemas de Manuel Bandeira.
Assim, relendo Harold Bloom, o poeta deste livro, inspirado na tradição popular, dá nova vida às famosas quadras poéticas, motivo de grandes poemas da Língua Portuguesa, vide Fernando Pessoa, e de canções populares do cabedal luso-brasileiro; bem como da literatura de cordel que existe ( e persiste) desde o século XVI – para citar o caso do Brasil.
Utilizando os recursos da intertextualidade, do diálogo entre tradição e poesia, Julio Almada consegue renovar a Língua Portuguesa através de seus textos, e com isto, ressignifica o fazer poético do século XXI. Neste âmbito, podemos afirmar que ele, Julio, exerce em sua ourivesaria poética, a “função social da poesia” como escreveu outro poeta, T.S. Elliot. Neste sentido, Julio Almada inova a linguagem quando utiliza palavras do cotidiano de forma singular, renovando a Língua e trazendo novas sonoridades e significados a palavras que já não cabem mais somente nos dicionários.
Na poesia do novo milênio há espaço para tudo: desde a alta literatura até personagens da cultura de massas, como é o caso de Drácula (Bram Stoker) que inspirou séries e filmes diversos e coube na forma poética do poema “Receituário”: “Já avisei, aviso sempre / Me matem antes da meia-noite “ (…) “ Meu coração estanca a estaca / bala de perto não é: a de prata.”
Revelando influências que vão de Baudelaire até Cruz e Souza, Julio Almada traz em sua poesia o gosto do não-dito, do não-revelado, do feio, do obscuro objeto do desejo, dos paraísos artificiais, dos visionários: daqueles que, nomeados de “loucos”, veem o que está para além dos véus das aparências e dos enganos. Assim, ele grita para o leitor quase surdo: “Chega de promessas do paraíso/ repletas de prazeres artificiais/ Escrevo uma dor ácida e aviso: / sou o menos morto dos mortais!”
O Amor e a Morte, a Solidão a dois, o ensurdecimento nas relações, são temas constantes na poesia de Almada. Utilizando-se de imagens sinestésicas, ele recria sentidos para tudo isso, como nestes versos: “O frio que me congela / não é o inverno./ Inverno aqui, verão em outras terras. / A terra que me preserva / não dá colheitas. (…)”
Se o frio faz gelar o amor, ele também é a falta do sopro da vida, numa terra morta, numa terra onde jaz a matéria, sem chances de colheitas, sejam de frutos ou metáforas. Aliás, Julio Almada é mestre em criar metáforas inusitadas tais como no poema “Sonrisa”: “Nessa noite não quero morrer / á míngua / Nem quero dizer sem nome / a dor que me aniquila.” (…) “Quero ser o meu pão de cada dia / antes que bafeje o sol / Vosso de outra vida.”
Com rimas interpoladas e ricas, aliterações e assonâncias, ele o poeta, recria os sentidos da Língua Portuguesa, que atravessou oceanos e plantou raízes onde o coração não cabe, mas cabe a razão do poeta fingidor, que “finge tão completamente / que chega a fingir que é dor / a dor que deveras sente” (Fernando Pessoa). De verso em verso, Julio Almada vai construindo um mundo só seu, particular, inexpugnável. Assim, ele próprio escreve: “A arte está em inalar-se / recompondo a quebra / por dentro. “
Todo o artista é uma Fênix, renascido das cinzas de si mesmo. A escrita poética, é desse modo, rima e remédio, verso e cura das dores da alma. Nessa busca pela cura, o poeta pinta a si próprio: “Há meia-tinta na palidez hoje:/ há uma falta serena de cor / do que foge / Há uma falta na flor que consome / Meus olhos / Meu sangue / Meu nome.”
Entre amores fugazes e rotos, bebedeiras e flertes, o eu-poético deságua nas turvas ondas do desamor, das mágoas, do rancor. E, tomado da sanha de poetas como Baudelaire, ele flerta com os poemas sujos de um Ferreira Gullar; com a poesia maldita dos Simbolistas; com o modernismo de Manuel Bandeira. Nesse amálgama de influências, ele adverte ao leitor: “Poesia morta, eu nascerei contigo / abre meu olho/ e nem a morte certa / fecha o que o olho neste instante / abriu como fresta.”
Enfim, Julio Almada e sua poesia são como vinho: há que degusta-los. E, quanto mais entardecem, quanto mais decantam, melhor o sabor de cada palavra. Que o vinho desta poesia te embriague, leitor! E, saboreando a música das palavras, deixes escorrer o néctar dos deuses por teus lábios, por teus ouvidos, por teu corpo inteiro, numa só partitura, numa só dança, neste livro que agora te pertence.
Porto Alegre, 6 de setembro
*Lívia Petry Jahn é pós-Doutora em Literaturas Lusófonas pela UFRGS / CAPES; Poeta; Escritora; Contadora de Histórias.
https://arararevista.com/50-uma-antologia-de-julio-almada/
Lívia Petry Jahn
Enviado por Julio Urrutiaga Almada em 29/09/2020
Alterado em 30/11/2020